top of page
PASSARO COLORIDO_01-01.png

REDE DE TEATRO DO VELHO CHICO

CARTOGRAFIA DE AFETOS E CARRANCAS.

Uma bitácula norteadora da Rede de Teatro do Velho Chico.  

Por; Luis Alonso-Aude

 

Quando falamos de redes, visualizamos um espaço vital, pulsante, pois a nossa vida está  atravessada por uma série de conexões que nos permitem estarmos vivos, ativos e poder continuar a nos polinizar como seres humanos. É um espaço de convívio onde cada um de nós conserva suas particularidades, mas pulsamos, abertos, conectados, sem fim, sem eira nem beira, tentando permanecer transportáveis, transferíveis, transmutáveis, em um devir de sensações. Uma rede, enquanto objeto, pode ser uma malha fina para caçar animais, pode ser um belo pano grosso para descansar à luz do luar, ou embaixo do sol em um coqueiro, ou simplesmente uma cama para dormir e experienciar os nossos sonhos. A rede da qual pretendo falar aqui tem uma particularidade, ela mantém vivo o sonho de fazer arte, de fazer teatro e poder continuar espiritualmente vivos nessa ânsia do impulso criativo. Esta rede que existe no interior do estado da Bahia tem por nome Rede de Teatro do Velho Chico, e assim como o desbravador rio, serve de caminho, onde o viajeiro coloca uma carranca na proa para espantar as almas ruins e vai abrindo caminho, trabalhando, no seu devir, conectando cidades do estado, juntando forças para se manter viva. 

 

Dirigida pelo artista baiano Gilberto Morais, ator e diretor da Cia Mistura, de Ibotirama, a Rede do Velho Chico nasceu no ano de 2013 e borda, com nós de afetos, 21 grupos teatrais dos territórios baianos a seguir, Bacia do Velhos Chico, Bacia do Rio Corrente, Sertão Produtivo, Bacia do Rio Paramirim e o Sul da Bahia. Foi o Gilberto que me convidou para fazer uma turnê pelas várias cidades onde essas companhias e grupos trabalham, para poder apreciar as produções locais e tentar organizar uma Mostra desses grupos no Festival Internacional Latino-Americano de Teatro da Bahia. A Rede organiza a cada ano uma Mostra das suas realizações, para compartilhar entre seus integrantes as obras de arte e seus processos criativos, e em cada edição deste evento festivo, tem uma produção artística pensada nos ofícios do homem ribeirinho. Por outro lado, o grupo Mistura, que assumiu desde o início a coordenação, produz espetáculos pensando nos temas relacionados aos pescadores, às lavadeiras e aos carranqueiros, assim a Carranca, como símbolo totêmico, espantadora de maus espíritos e possibilitadora de novos camimnhos , está presente em toda esta organização.  

 

A paisagem foi o primeiro que me cativou nesta travessia de 2200 kms, passando por diversas estradas do sertão nordestino, a arquitetura das cidades, as formas e transformações que meu corpo vivenciava a cada momento, onde procurava se adaptar e respirava, sentia os cheiros do frescor da manhã até o cair da tarde, movendo meus sentidos e instintos a continuar conhecendo mais as cidades que, fora da capital, subsistem ao esquecimento e à ausência de promoção das suas culturas, lutando com a preguiçosa ideia de que a Bahia se resuma ao viver e existir soteropolitanos. 

 

A primeira parada foi em Caetité, no Território do Sertão Produtivo, no dia 20 de julho, onde encontrei dois grupos que despertaram o meu interesse pela sua força criativa e a capacidade de movimentar o público da cidade. Cheguei no meio dos festejos da Padroeira da cidade, Nossa Senhora Santana, e a Prefeitura criou um espaço dentro da programação, o Barracão Cultural, uma conquista dos artistas locais nos anos 2015 e 2016, com apresentações musicais, teatro, dança e palhaçaria, enquanto o espaço principal da festa era ocupado por bandas procedentes de outros estados. Naquele local estava programado o espetáculo H2Nos, do grupo Dobradores de Arte. O diretor Nando Dias e sua trupe integrada por Katy Brito, Iamara Dourado, Marcelo Monteiro e Tais Morais, com a produção de Tally Gaia. estavam preparados para a apresentação, fazia muito frio e chovia, era impressionante como o público não saia do local, na praça, e assistiram o espetáculo na íntegra, mostrando uma pequena cidade acostumada a uma certa tradição teatral e ao conhecimento e respeito da sua produção artística. O espetáculo versava sobre a seca, a pobreza e a falta de esperança e como isso tomava conta de tudo nos nossos espaços de coexistência, A própria trupe propunha uma solução, a arte e o conhecimento como  objetos fundamentais para alcançar o bem estar e melhorar a vida. Adaptados a um espaço alternativo ao ar livre, o espetáculo tentava manter a funcionalidade dos recursos de uma proposta que parecia ser potente em locais fechados, no entanto funcionava naquela praça como um estranho  e vigoroso exercício de cidadania. Em Caetité soube que todos os grupos fazem parte do Núcleo de Artes Cênicas da Casa Anísio Teixeira. Teixeira foi um jurista, intelectual, educador e escritor brasileiro, um revolucionário da educação no Brasil. Então não deve ser coincidência que no meio do sertão exista essa pulsação transformadora e renovadora da arte, uma herança viva de conquistas do século passado. 

 

No dia seguinte a Cia de Artes Ôcotô, com a direção de Luarlley Araujo, apresentou o seu espetáculo Dopamina X, uma produção que parte em sua essência do corpo humano vivo em sociedade. Os corpos dos atores/dançarinos de Itamara Dourado, Jardel Lôbo, Luarlley Araujo, Lucivan Santos e Tais Morais, bordam um tecido cênico de imagens, movimentos e sons, levando o espectador por um percurso pulsantemente cinestésico, abordando o tema da saúde mental e de como os transtornos psicológicos, as opressões sociais, a não compreensão do outro e a pressão em torno de sucesso e estilos de vida, afetam as nossas vivências e experiências. O assunto é que, talvez inconscientemente ou pelos impulsos do próprio processo criativo, além de estarem vinculados à dança e ao teatro, a costura dos afetos acaba sendo o material principal que estrutura o bordado dessa proposta. Afetar no sentido fenomenológico, não da paixão, afeto como rede de interseções da qual fazemos parte e que acabamos nos polinizando e contaminando nesse devir social de complexidades, de energias e pulsações, que nos levam a nos transformar uns aos outros, afeto aqui atribuído a movimentação dos nossos corpos como territórios. Dopamina X é uma afetação ao corpo, de fora para dentro e viceversa, uma combustão gerada pelas pulsões de humor e prazer misturadas pelas convenções sociais e o que é determinado como norma. A Cia de Artes Ôcotô submerge os espectadores numa experiência onde são assistidos os dois lados da moeda e incita à demanda do exercício de ter mais empatia pelos outros, aí é que reside o trâmite dos afetos. Desta maneira me despedi da cidade de Caetité, botei minha pequena carranca de madeira no retrovisor do carro e segui caminho pela Rede do Velho Chico. 

 

No dia 22 de julho estava em Macaúbas, a 139 kms de Caetité, nesta cidade reside a Cia. Ká Entre Nós de Teatro, trabalhando em um pequeno espaço que a própria diretora do grupo Erleide Morais criou nos fundos da sua casa, no alto, em um segundo andar. Para chegar à sala de espetáculos transitei por um corredor de paredes grafitadas, com desenhos que faziam alegoria ao nosso ofício. A sala estava lotada de um público que foi chamado para assistir a apresentação de 'Solidão de Março', um monólogo com a atriz Laine Costa, onde retrata a solidão de uma mulher com o início do distanciamento social durante a Pandemia Covid19. De uma forma singela, com um conceito minimalista e ações que se resumem a um espaço mínimo concreto de isolamento, o texto resultante se inspirou em situações do cotidiano e guarda relação com a música de Tom Jobim ‘Aguas de março’. Todo o esforço do processo criativo fica latente na cena, uma atriz desmascarada pelas ausências e em carne viva, mas contida e forte, projeta a restauração de um ser que se viu obrigado a ficar fechado em seu próprio corpo e os poucos afetos são tidos como pulsões externas em forma tecnológica. Um relógio marca o tempo na cena toda, um tempo que não para na longa espera, um tempo interno e externo que perpassa do modo bergsoniano a um tempo dilatado, em um ‘não-lugar’. A potência do trabalho lateja nos silêncios, no tic-tac do relógio, nos olhares, nas pausas e torna viva a natureza morta do logocentrismo que  se apropriou da comunicação no dia a dia. Solidão de Março avança para uma estética comprimida em um espaço pequeno, de dor, ausências e pulsações, na construção de um discurso fora da razão. 

 

De Macaúbas sai assim, satisfeito de impressões, por me fazer pensar que devia continuar a olhar as produções que viriam à frente. -O que mais me surpreenderia nesse caminho da Rede?  Segui até a cidade Luiz Eduardo Magalhães e lá lembrei da casa, a casa não somente como estrutura física, mas a casa como conceito de retorno. -Mas como pensar em retornar ao local do acolhimento e das lembranças se não teve uma casa? Todos vivemos e construímos casas no percurso das nossas vidas. A casa da infância é um belo retorno, e o teatro é um exercício eterno de jogos infantes, de memórias e lembranças, porém também constrói casas, constantemente. As nossas casas no teatro não podem ser somente virtualidades conformadas com memórias, pois o nosso ofício trabalha sempre em relação com a ausência, porém com a morte. Nós precisamos do encontro, de ter um beco, um canto onde guardar história, onde possamos reunir corpos, humanos e não-humanos, um espaço onde poder dizer, eterna ou temporariamente, essa é a minha casa teatral. Nesta cidade conheci a Companhia de Experimentação e Pesquisa em Arte e Cultura - CEPAC e eles conseguiram ter uma casa, literalmente, com quartos, banheiros, cozinha e salas de jantar, além de um quintal de terra viva. Essa onda toda me pegou desde a minha chegada, um grupo, no interior do estado, que consegue trabalhar somente para o teatro em sua casa, fundamental para a subsistência, pois isso oferece dignidade e respeito ao seu exercício diário. Fazem parte desta trupe o diretor Felipe Breuning e seus colegas, co-criadores, atrizes e atores Daniel Grilo, Emilie Dias, Hulle Horranna, Julio Lima e Clessia Riiem. 

 

O CEPAC tem dois espetáculos ativos, o infantil ‘Dona Lixonilda’ e o adulto 'Enfim voltamos’. Como eles estavam no meio de uma transformação do seu espaço, tiveram pouquíssimo tempo para produzir as apresentações de ambas produções e escolheram mostrar o espetáculo infanto-juvenil. São personagens (animais) característicos do cerrado brasileiro, um bugio-preto, uma loba-guará, uma anta e um tatu canastra, que organizados tentam derrubar os planos imundos dos inimigos da saúde pública e da preservação, representados pelos vilões, barata e rato. Mas a singeleza da história, que aprofunda na necessidade de cuidar do meio ambiente no qual estamos todos incluídos, por momentos faz críticas contundentes à exploração de minerais e de terras sem o prévio cuidado e proteção, assim o espetáculo se converte, de maneira lúdica e indireta, em uma potente voz de luta por um mundo melhor, onde crianças, jovens e até adultos que acompanham a trupe, conseguem refletir sobre este mal emergente que precisamos combater. Assim, como todo grupo em potência, mostra sua vontade de estar conectado com os fatos que lhe rodeiam. O espetáculo transita em uma dramaturgia cronológica, onde os fatos vão emergindo na medida que a mesma vai sendo desenvolvida. Falta agora conhecer outros rumos do CEPAC, que com uma bela estrutura e dedicação absoluta podem ser capazes de fazer parte dos coletivos do interior baiano que prometem uma transformação no teatro da sua cidade e dos lugares próximos do estado. 

 

Dentro deste coletivo, hoje reside a atriz Kléssia Rillen, que fez parte de um outro grupo na cidade vizinha de Barreiras, a Cia Teatrando. Klessia fez uma apresentação do seu espetáculo ‘Cachiá’ no espaço do CEPAC, dirigido pela artista teatral e crítica brasiliense Ruth Guimarães. ‘Cachiá’ é um recorte de vida, história inspiradora de uma moradora de rua, mulher cega, negra e que tem como morada uma pitombeira. Esta mulher passa seus dias, há anos, no mesmo lugar, coletando moedas na sua latinha e tocando uma gaita. Mas para além do inusitado da representação, tendo como foco uma moradora de rua, que em si são seres humanos sem representação alguma, o trabalho ganha destaque pela encenação pobre, como conceito, trazido da própria pobreza real da qual surgiu a inspiração, a vontade criadora e o seu devir processual. Uns tijolos, um guarda-chuvas, uma gaita e uma latinha, sentada em um banquinho, em um espaço mínimo, que se faz maior do que seu minimalismo implícito. Mostra um corpo desagregado da maquinaria de um capitalismo triunfante, um corpo pairante na multidão de conhecidos que o tornam invisível, falar a partir do corpo, é a necessidade de Cachiá, que acumula na sua presença contundentes rejeições sociais, sua condição de vida social, sua cegueira, o fato de ser mulher e ser negra, não haveria como ser diferente nestas sociedades mais do que a dilatação da pobreza e a consumação de um corpo no esquecimento. Mas o teatro vem da morte e volta até ela, em um exercício de eterna vida presente. Klessia eterniza Cachjá e ainda o faz com um belo papo após a sua apresentação.  

 

Estes encontros foram comoventes em todos os sentidos, sai da cidade Magalhães com a força de um leão, pois o trajeto passado até agora não me deixava dúvidas, sentia a necessidade de que estes trabalhos fossem mostrados, pois partem das suas precariedades e esquecimentos, para assim abrir portas à multiplicação de conhecimentos e potencialização do exercício teatral. -Só fazendo é que aprendemos… Então vamos avante, que ainda faltam três produções na próxima cidade. 

 

Ibotirama se apresentou como uma grande cidade do sertão nordestino, onde reside o grupo Mistura, dirigido por Gilberto Morais que também coordena a Rede. A Cia Mistura apresentou três propostas, três solos com temas e estéticas bem diferentes. A primeira produção foi da atriz/performer Vania Nogueira, quem narra, através da sua performance ‘Os ossos da casa da minha mãe’, o itinerário de uma mulher que representa, em forma de reflexos, muitas outras mulheres, transbordando signos da memória, não a memória como espaço demarcado e concreto, mas uma memória de pulsações através de imagens, cores, movimentos e sonoridades que também são acompanhadas pela voz e textos da atriz. Dentro de um tule em forma de cone, um corpo que se projeta a si mesmo, como se o corpo reproduzido fosse multiplicador de prints de vivência, ligações com a natureza dialogam em silêncio, um corpo em soma nesse lugar de comunicação, polinizado, costurando e moldando sensações, colorindo o espaço em uma experiência cinestésica.. Vania Nogueira arrisca na plenitude da sua presença, visualizando seu corpo no olhar de cada espectador, como fruto de uma construção de subjetividades. 

 

O segundo solo ficou a cargo do ator/poeta Ananias Serranegra. ‘Casa dos A-Voz. Meu alpendre de poesia’, foi a proposta apresentada, usando o título do seu livro de igual nome em um recital de poesia que ele dedica ao avô. O texto/livro foi fruto de uma residência do ator/poeta com Imídio Ferreira, no sertão da Bahia. Ananias praticamente canta através da declamação as inspirações que o seu avô lhe ofereceu em conversas e escutas em família. É um ato de amor cantado e encantado, uma costura com cisões de ausência, uma pulsação que foge da retórica sutil e cava fundo na alma de quem assiste, como se cada palavra, dita da forma mais singela, chegasse fundo nos corpos que convivem. As sonoridades e cantos ao vivo, do músico João Antonio enriquecem a proposta, imagens de desenhos que povoam seu livro ficam demarcando o lugar da apresentação, em tamanhos gigantes e de uma beleza semelhante aos desenhos que narravam façanhas heróicas da antiguidade. A voz do ator não declama, na verdade voa, como se fosse um pranto doce que sai do peito, leve e profundo, como um suspiro, como um grito mudo na ausência e no silêncio de um ser amado. O que mais surpreende nesta proposta é o contraponto entre a singeleza e a grandiosidade, singeleza despropositada e grandiosidade pela força da palavra e do gestus. 

 

O terceiro solo, com quem fechei a cidade de Ibotirama, foi do próprio Gilberto Morais. Sob o nome  'Carranca. Da proa do barco para o palco’, Este trabalho é fruto de um projeto de grupo que adquiriu identidade cênica através da literatura de cordel e o teatro popular, Carranca é um projeto que almeja viajar pelos cinco estados do Brasil que são banhados pelo Rio São Francisco. Há um compromisso ambiental, político, filosófico e ideológico neste projeto, mapeando os fazedores de carrancas e promovendo experiências teatrais do processo criativo do fazer teatral ribeirinho, utilizando a cultura da carranca que é um símbolo da Bacia do Rio São Francisco. Esta proposta fala sobre a história das carrancas, esculturas de madeira que hoje são pouco utilizadas na proa dos barcos através de um texto que mostra a importância desse ofício nas margens do Velho Chico. Junto ao espetáculo é mostrada uma exposição de carrancas de madeira, fruto do ofício dos artesãos ribeirinhos. O espetáculo transcorre em um fluxo leve, Gilberto consegue transitar de uma personagem a outra se investindo de máscaras, fazendo com certa delicadeza transições que corporificam rostos fortemente expressivos, contando histórias, e atraindo a nossa atenção com sua singular presença. Um homem alto e corpulento que vira uma presença de menino brincando no palco da humanidade, o palco do teatro. O ator faz uso de uma estrutura espetacular para revitalizar um símbolo protetivo, fazer renascer uma tradição, dando vida assim à memória corporal, porém cultural de um povo, de uma communitas que subsiste para além desse sistema capital que, em seu movimento, vai apagando as marcas do tempo. Louvável o motivo do impulso criativo associado a um necessário tremor que afetaria conscientemente uma estrutura que visa o apagamento de expressões populares, gerando assim certas clivagens que nos fazem refletir sobre  nosso passado, nosso presente e a nossa memória relacionada a um passado pouco longínquo, mas iminente. 

 

A Rede do Velho Chico é uma estrutura que atua no território da micropolítica, é em si um fenômeno micropolítico, acentuando a força que possuem os espaços teatrais no interior da Bahia. O que encerra esta definição é o fato primário de serem grupos teatrais de cidades que não são privilegiadas pelo desenvolvimento dos segmentos artísticos, oferecendo à Rede um título de idoneidade, legitimidade e representatividade. Na ausência das políticas de estado, a Rede de Teatro do Velho Chico pretende dar continuidade à vida teatral, pelo mero fato de estarem ativos e juntos, se recriando e intercambiando.  Esse rasgar micro também está presente nos temas trabalhados, nos corpos das atrizes e dos atores desenvolvidos numa espécie de austeridade enriquecida pela natureza do trabalho. Cutucando histórias não contadas, histórias de cada corpo, fazendo nascer um ‘teatro menor’ frente a um’ teatro maior’ eurocentrista, um teatro menor micropolítico que mexe nas estruturas de um teatro iminente. 

 

No dia 28 de julho, peguei meu carro, botei minha carranca e comecei meu retorno a Salvador, pensando rever aquelas paisagens e cidades que me cativaram na ida ao encontro prometido, mas meu corpo tinha se mexido, meu corpo , trans/formável, trans/mutável, polinizado, tinha mudado, com certeza não era mais o mesmo. As cidades mantinham todas as suas cores, suas estruturas, arquiteturas, mas agora eu as via a partir de um lugar familiar, a Rede me ofereceu uma bitácula, uma associação de instrumentos que me possibilitaram conhecer a travessia de retorno, não era mais o desbravador da caatinga, do cerrado, do sertão, era agora um a mais, entrosado, humedecido e totalmente banhado pela imagética Rede pulsante do grande, caudaloso e vivo  Velho Chico. 

 

30 de setembro de 2022

bottom of page